Revista Reformador

Espiritismo e Nova Era: Uma perspectiva de integração entre razão e fé

Dalva Silva Souza*
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Resumo

A Era Moderna trouxe consigo um dilema fundamental: a separação entre Ciência e Religião, que gerou, de um lado, o materialismo e, de outro, o fanatismo religioso. Esse contexto desafia a Humanidade e evidencia a necessidade de uma nova compreensão que una a razão e a fé de maneira harmoniosa, princípio essencial na Doutrina Espírita. Queremos aqui mostrar a maneira pela qual o Espiritismo pode fornecer uma base sólida para uma Nova Era, em que o entendimento espiritual não contraria o raciocínio, mas o ilumina.

Palavras-chave

Espiritismo; razão, fé. Nova Era;

Estamos no limiar de um novo tempo. Apesar de todas as notícias que mostram aspectos negativos da cultura humana, é preciso perceber as construções boas que também estão presentes, possibilitando o nascimento de uma esperança firme que supere a desolação de ver, ainda, a violência da guerra assolando regiões e obrigando as pessoas a abandonarem seus lares, passando a perambular sem segurança e sem amparo…

Essa situação de conflito faz parte do tempo de transição, e a Doutrina Espírita chegou ao mundo no momento certo, oferecendo-nos o suporte de que precisamos para enfrentar as dificuldades. O ensino espírita propicia a compreensão de como a razão pode nos facultar o entendimento das questões controversas e impactantes dos embates resultantes do confronto de ideias. Mas será preciso que a fé se torne o sentimento ordenador de nosso psiquismo, para que o processamento das ideias se faça adequadamente.

Allan Kardec, em O evangelho segundo o espiritismo, ensina que Deus não dotou o ser humano de razão e fé como atributos contraditórios, mas complementares¹. A razão deve servir para iluminar e fundamentar a fé, e, juntos, esses atributos podem promover o progresso espiritual e moral, alterando o indivíduo por dentro, tornando-o capaz de gerar a renovação nos seus inter-relacionamentos.

Quando se consideram esses atributos, no contexto da contemporaneidade, observa-se que muitos dos que se dedicam às atividades acadêmicas se posicionam à distância da fé, argumentando que os sistemas de crença são falhos e conduzem o homem ao erro. Por outro lado, os que se dedicam às atividades religiosas aconselham o raciocínio em todas as circunstâncias, exceto no que concerne ao problema do destino e das altas finalidades da vida, propondo a aceitação de dogmas que não se coadunam com o bom senso. No meio disso tudo, a criatura se confunde, e é natural que muita gente apenas adote uma religião que, no fundo, não signifique um com prometimento pessoal com um processo de mudança, de reforma moral.

A Doutrina Espírita surge, assim, como um caminho equilibrado, propondo a fé que gera o compromisso autêntico com a transformação pessoal e moral. Ela sustenta que a Humanidade está em transição para uma Era Nova, identifica da como “mundo de regeneração”, no qual a Espiritualidade, a moralidade e o amor serão os valores fundamentais². Esse processo de transformação implica a superação de padrões antigos – o “Homem Velho” – em direção à constituição do “Homem Novo”, como afirmava Paulo de Tarso (Efésios, 4:22 a 24). Esse progresso se dá me diante o autoconhecimento, facultado pelo estudo e a prática da Doutrina Espírita.

Quem estuda a Doutrina Espírita descobre que há consequências na vida futura daquilo que se faz agora, o que determina a cada um a responsabilidade pelos próprios atos. Assim, a educação espiritual proporciona às pessoas ferramentas para enfrentarem os desafios do cotidiano, promovendo o desenvolvimento do seu potencial para o amor e a responsabilidade pelos próprios atos, que, segundo a Doutrina, têm consequências para além desta existência.

Apresentando-se ao mundo no século XIX, o Espiritismo antecipou-se em relação a certas conquistas sociais dos séculos XX e XXI, habilitando o homem a atuar com maior eficiência no cenário humano, pela conjugação do saber intuitivo iluminado pela razão e pela compreensão de que a fé espírita tem uma aplicação na vida. A dúvida quanto ao futuro é que gera supervalorização dos bens materiais e o desequilíbrio nas atitudes, levando muitas vezes à busca de prazeres ilusórios e do suicídio como recurso extremo para superar as dificuldades que fatalmente advirão; a certeza da vida futura, ao contrário, gera resignação para enfrentar dificuldades e valorização das coisas que realmente importam.

Nesse contexto, evidencia-se a responsabilidade dos centros espíritas e do Movimento Espírita. A Casa Espírita pode exercer um papel social fundamental, ao oferecer um ambiente de vibrações positivas e salutares. Mais que um espaço de reunião, ela deve funcionar como um local de aprendizado e transformação, onde as pessoas assimilam os princípios do Espiritismo, que modificam suas visões sobre o mundo e a vida. O papel do Movimento Espírita, portanto, é fomentar a estruturação dessas casas e promover um ambiente de liberdade de pensamento e respeito à racionalidade, aspectos que afastam o Espiritismo do dogmatismo.

Para que essa missão se cumpra, é essencial distinguir entre a Doutrina Espírita e o Movimento Espírita. A Doutrina possui uma base sólida nos seus princípios que se apoiam nas Leis Naturais ou Divinas, enquanto o Movimento depende das ações humanas, sendo, portanto, responsabilidade dos espíritas, que devem manter a integridade e o propósito de suas práticas e ensinamentos, revelando fidelidade ao ensino dos Espíritos Superiores, que Kardec soube bem organizar.

Compreendemos o Espiritismo como guia para uma Nova Era, uma vez que o estudo da Doutrina Espírita revela que a fé sem a razão conduz ao erro, mas também aponta que, com o uso da razão, mesmo as falhas cometidas se tornarão oportunidades de aprendizado e crescimento. Essa abordagem, que valoriza a liberdade de pensar, prepara o indivíduo para a construção de uma nova sociedade baseada em valores de amor e respeito mútuo. Por meio da Doutrina, cada pessoa é convidada a uma trans formação íntima, que, por sua vez, possibilita a renovação do coletivo.

Em resumo, o Espiritismo oferece uma proposta para um tempo novo em que fé e razão coexistam em harmonia. Essa nova compreensão possibilitará ao ser humano avançar moral mente e construir uma ordem social mais justa e fraterna, atendendo ao chamado do progresso espiritual e à missão que a Doutrina Espírita propõe: a regeneração da Humanidade.

N.A.: Ex-presidente e colaboradora da Federação Espírita do Estado do Espírito Santo [FEEES] – Vitória (ES).
REFERÊNCIAS:
¹KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 16. imp. (Edição Histórica). Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 19, it. 6 e 7.
²KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Guillon Ribeiro. 53. ed. 12. imp. (Edição Histórica). Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 18