Revista Reformador

Migrações espirituais internas

Orion Ferreira Pinheiro*
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Resumo

A migração de Espíritos em grupos é um tema que vem sendo abordado por diversos autores espirituais nas últimas décadas. Como essas revelações têm ocorrido mais frequentemente nos últimos tempos, é oportuno estudarmos sobre esse processo, à luz da Doutrina Espírita. Trata-se de um dos recursos usados pela Espiritualidade Superior para o avanço planetário, podendo ser externas, entre planetas, ou internas, entre povos e nações. São movimentos complexos, realizados desde tempos imemoriais. Este arti go está focado nas migrações espirituais internas, apresentando informações referentes a alguns grupos em seu retorno coletivo ao plano físico.

Palavras-chave

Migrações de Espíritos; migrações externas; migrações internas; movimentações espirituais entre povos e nações.

Vamos delimitar o nosso estudo a grandes movimentos reencarnatórios realizados por grupos de Espíritos que compartilharam experiências no passado e retornam novamente ao palco planetário, com programações em comum.

O regresso ao plano físico pode se dar tanto em pequenos grupos, como em operações mais complexas, de forma massiva. Essas reencarnações associam necessidades individuais de evolução com missões específicas a serem desempenhadas pelo conjunto de Espíritos que está reencarnando. Cada um desses movimentos transmite de forma intensiva conhecimentos, características etc., imprimindo sua contribuição aos locais que os recebem, porém em última instância com repercussão para o avanço geral da Humanidade.

A Espiritualidade vem tratando do assunto por meio de diversas mensagens, apresentando sucessivas revelações, que nos dão uma visão geral. Selecionamos algumas, transcrevendo trechos que se conectam. Peças de um mesmo vitral, com encaixes precisos, por onde é filtrada a luz divina da revelação.

Todas essas revelações são coerentes e consistentes entre si, apresentando faces diferentes de um mesmo processo. Isso nos dá tranquilidade diante do ensino universal preconizado por Kardec.

Iniciamos a nossa abordagem com a contribuição do Espírito Ivon Costa, que por meio da mensagem “A missão do Consolador” nos ajuda a entender alguns detalhes sobre as migrações espirituais internas:

Ocorre, porém, que indivíduos, povos e nações evoluem por etapas e os seus valores humanos, na genialidade, na construção do bem e da verdade nascem e renascem em grupos, abrindo o campo para o progresso e os horizontes para a civilização. Encerrando-se o ciclo, transferem-se esses Espíritos para outros núcleos humanos, a fim de fomentarem o desenvolvimento e apressarem a evolução dos que marcham à retaguarda, enquanto aguardam pelos resultados da realização.

Em cada época, fora os seus dramas e tragédias, povos se levantam como condutores dos ideais e pioneiros de avançados programas, com os quais a Humanidade se ergue e marcha para portos mais felizes.

À frente, estão os antigos batalhadores da fé, mensageiros sempre de Jesus, corporificados com novas aparências, arrimados, porém, ao pensa mento renovador da verdade. Eles prosseguem haurindo perfeita identificação com o Mestre que, a Seu turno, os conduz, mesmo quando, aparentemente, tudo se apresenta decadente, à borda do caos…¹

Emmanuel no livro A caminho da luz,² publicado em 1939, dissertando sobre a “Transmigração de Povos”, afirma que:

A atuação do mundo espiritual proporciona à história humana a perfeita caraterização da alma coletiva dos povos. Como os indivíduos, as coletividades também voltam ao mundo pelo caminho da reencarnação. […]

Na sequência ele apresenta importantes revelações:

[…] É assim que vamos encontrar antigos fenícios na Espanha e em Portugal, entregando-se de novo às suas predileções pelo mar. Na antiga Lutécia, que se transformou na famosa Paris do Ocidente, vamos achar a alma ateniense nas suas ele vadas indagações filosóficas e científicas, abrindo caminhos claros ao direito dos homens e dos povos. Andemos mais um pouco e acharemos na Prússia o espírito belicoso de Esparta, cuja educação defeituosa e transviada construiu o espírito detestável do pan germanismo na Alemanha da atualidade. Atravessemos a Mancha e deparar-se-nos-á na Grã-Bretanha a edilidade romana, com a sua educação e a sua prudência, retomando de novo as rédeas perdidas do Império Romano, para beneficiar as almas que aguardaram, por tantos séculos, a sua proteção e o seu auxílio.

Faremos agora um recorte para estudarmos movimentos relacionados a grupos específicos em reencarnação coletiva no Brasil. Dispomos de diversos registros mediúnicos relacionados ao tema. Mas por absoluta falta de espaço vamos elencar apenas três, que têm relação direta com o Espiritismo. O primeiro a ser analisado ocorreu ainda no século XIX, e quem o revelou foi Emmanuel, conforme trecho a seguir. Trata-se da transferência de Espíritos franceses para a América, realizada sob os auspícios do Espírito Joana d’Arc:

[…] Aquela que fora a corajosa e singela filha de Domrémy volta ao ambiente da antiga pátria, à frente de grandes exércitos de Espíritos consoladores, confortando as almas aflitas e aclarando novos caminhos. Numerosas caravanas de seres flagelados, fora do cárcere material, são por ela conduzidos às plagas da América, para as reencarnações regeneradoras, de paz e de liberdade.³

Dentro do caráter progressivo das revelações, quase quarenta anos após a revelação de Emmanuel, coube ao Espírito Victor Hugo trazer desdobra mentos sobre a transferência desses Espíritos. No capítulo O porquê do Espiritismo no Brasil, do seu livro Árdua ascensão, ele faz referência aos Espíritos franceses que reencarnaram na Pátria do Evangelho, revelando tratar-se de antigos revolucionários, que estiveram envolvidos com a Revolução Francesa. Em seu texto apresenta ainda uma vi são de conjunto, que permite entender os motivos da Dou trina surgir na França, e as razões do nosso país receber tão bem o Espiritismo, em face da sua destinação histórica.⁴

Faz sentido a transferência para o Brasil desses Espíritos que participaram da Revolução. Sendo a Doutrina caracterizada pelo idealismo – precisava de idealistas. Para os primeiros tempos, de chegada e consolidação do Espiritismo no Brasil, havia a necessidade de desbravadores. A missão dos espíritas da primeira hora era extremamente desafiadora. Os pioneiros precisavam de um lado estar receptivos e de outro, combativos, pois iriam romper velhas concepções religiosas, e fazer uma religação da Ciência com a Filosofia e a Religião, sem as amarras desenvolvidas pelos homens através dos séculos. O Consolador retomaria os ensinos puros de Jesus e ensinaria coisas novas, que não estávamos preparados para receber anteriormente. Reencarnaram em um ambiente que lhes era de certa forma familiar, com a influência da cultura francesa no Brasil do século XIX.

Assim, quando a Doutrina chega à Pátria do Cruzeiro, já estavam encarnados Espíritos sensíveis aos ideais doutrinários, aguardando esse momento. São então despertados para o Consolador, e surgia a primeira geração de espíritas no Brasil, formada em parte por antigos revolucionários franceses.

A partir de meados do século XX muitos já estavam de volta ao plano físico, prosseguindo suas atividades dou trinárias, como espíritas pela segunda vez.

A próxima mensagem é uma “pérola”, escondida nas páginas amareladas de Reformador. Veiculada há quase cinquenta anos, é esclarecedora e apresenta informações que merecem nossa reflexão por sua vinculação ao estudo que estamos realizando. Ela descreve a epopeia de um grupo de Espíritos ao longo de milênios, que vêm reencarnando juntos desde o Antigo Egito, revela ainda seu vínculo com o Brasil. Intitulada “Antigos Desterrados…”, foi ditada pelo Espírito J. W. Rochester:

Desterrados neste orbe, ao qual ainda não sabíamos amar, construímos, no orgulho da nossa saudade e dos nossos conhecimentos infusos, uma civilização brilhante, mas sem amor.

De desastre em desastre, apesar das virtudes que começávamos a cultivar e dos sofrimentos que amargávamos, tivemos de peregrinar constantemente, acossados pela força das ordenações maiores, em busca da nossa própria reformulação, sempre difícil.⁵

O autor espiritual cita encarnações desses Espíritos em diversas regiões ao longo do tempo, fazendo referência ao Delta, que significa o Egito; o Vale do Pó, representando a região atual da Itália; as Gálias, nome de diversas regiões na época do Império Romano, e dentre elas, a em que se encontra a França; as Ilhas Britânicas e a Germânia. E esclarece:

Por isso, tivemos que amargar duríssimos reveses e só após muitas tempestades de dor fomos de novo agraciados com o sol da França e com essa paisagem doce e bendita da Terra de Santa Cruz.⁶

O autor espiritual finaliza sua mensagem revelando que esses Espíritos estiveram envolvidos com o recebimento e divulgação da Doutrina Espírita.

É possível que tenham feito parte do mesmo grupo transferido pelo Espírito Joana d’Arc. Ou podem também ter migrado posteriormente, após o surgi mento do Espiritismo, assunto que estudaremos a seguir.

Vamos tratar agora do segundo movimento.

Em face dos compromissos espirituais do Brasil como Pá tria do Evangelho, e cumprindo o plano da Cúpula Divina, que previa a transferência provisória da Doutrina para nosso país, reencarnaram na Terra de Santa Cruz antigos companheiros de Kardec e médiuns envolvidos com seu trabalho de codificação, para dar continuidade às suas atividades doutrinárias.

O Espírito André Luiz revela no livro Entre irmãos de outras terras:

[…] Legiões de companheiros da obra de Allan Kardec reencarnaram, não só na França, mas igualmente em outros países, notadamente no Brasil, para a sustentação do edifício kardequiano.⁷

Algumas décadas depois, o assunto mereceu um maior detalhamento por parte da Espiritualidade por intermédio do Espírito Victor Hugo:

Após a desencarnação de Allan Kardec, companheiros seus de lide e médiuns que cooperaram na realização da Obra colossal, retornaram ao corpo, na pátria brasileira, para da rem continuação ao programa estabelecido com entranhada fidelidade aos postulados que exigem dedicação, renúncia até ao sacrifício, e fé estribada na razão.

Renasceram, portanto, em nú mero expressivo, espíritas pela segunda vez, alguns outros, que conheceram a Doutrina antes do retorno ao corpo, a fim de promoverem a grande arrancada da divulgação e da realização doutrinária, capacitando-se a devolvê-la ao berço de origem e ao mundo, na mesma pureza e limpidez com que a herdaram do insigne Missionário.⁸

O último movimento a registrarmos é o retorno ao plano físico de cristãos dos tempos primitivos, agora nas Terras de Santa Cruz. No final da década de 40 a Espiritualidade assinalava sua proximidade com o plano físico, conforme é revelado no poema “Apelo à Mocidade Espírita-Cristã”, do Espírito Castro Alves:

Combatem ao nosso lado
Sem fuzis conquistadores,
Espíritos benfeitores
Buscando a paz de amanhã…
Ei-los! – voltam do passado!
São mil gênios sobre-humanos,
Choraram trezentos anos,
Nos circos da fé cristã.

Trazem fúlgidas bandeiras,
Entoam hinos felizes,
Bendizendo cicatrizes
– Santificados heróis!…
Atravessaram fogueiras,
Serviram a Deus, de rastros,
Volvem, hoje, de outros astros
– Sóis brilhando noutros sóis!⁹

Na década de 80 esses Espíritos já estavam encarnados, como pode ser observado na mensagem “A missão do Consolador”, ditada pelo Espírito Ivon Costa, citada anteriormente, e da qual apresentaremos mais um trecho a seguir. São Espíritos que receberam a mensagem da vida eterna do Senhor e dos seus discípulos:

Surpreende aos estudiosos que a farta sementeira de luz pelos abnegados trabalha dores do Espiritismo, nos últimos cem anos, desse tão escassa messe, no solo europeu, particularmente na generosa terra francesa.

Aos antigos trabalhadores do Evangelho e estudiosos do Espiritismo europeu ora reencarnados no Brasil, cabe a grande e indeclinável tarefa de devolver ao Velho Continente a Mensagem da Vida Eterna, pura e incorruptível, como a receberam do Senhor e dos Seus discípulos, de Kardec e dos seus colaboradores, não esquecendo em crescer em exemplo e ciência, em com portamento e filosofia, em vivência e fé, a fim de que o Espiritismo, que deverá influenciar a conduta da Terra e renovar o homem, cumpra, sem larga e demasiada tardança, a sua missão de Consolador e libertador de consciências.¹⁰

A presença desses grupos nas últimas décadas do século XX em solo brasileiro, cumprindo suas tarefas na Pátria do Evangelho, não é obra do acaso. São vetores que se encontraram dentro de um planejamento da Espiritualidade Superior. Parte deles dava suporte ao Movimento Espírita, sendo partícipes do programa de sustentação da Doutrina, um trabalho hercúleo desenvolvido durante cerca de cem anos, cujo ápice pode ser considerado o Congresso Espírita Internacional/89, oficializando simbolica mente o retorno do Espiritismo ao mundo.

Mas sua atuação vai além das atividades espíritas em si. Cada grupo tem sua missão especializada, se interligam pelos fios invisíveis, e por capilaridade suas ações impactam anonimamente a sociedade, todos vinculados à missão do Brasil e comprometidos com a transição planetária em curso.

REFERÊNCIAS:
¹ COSTA, Ivon. A missão do Consolador. (Página psicografada pelo médium Divaldo Pereira Franco, em 1 de agosto de 1980, em Paris, França). In: Reformador, abr. 1981, p. 10(102) a 12(104).
² XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 13. imp. Brasília, DF: FEB, 2020. cap. 19 – As Cruzadas e o fim da Idade Média.
³ XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 38. ed. 13. imp. Brasília, DF: FEB, 2020. cap. 22 – A Revolução Francesa, it. Contra os excessos da Revolução.
⁴ FRANCO, Divaldo Pereira. Árdua ascensão. Pelo Espírito Victor Hugo. 7. ed. Salvador, BA: LEAL, 2002. p. 173 a 180.
⁵ ROCHESTER, J. W. Antigos desterrados… (Mensagem recebida na noite de 24 de agosto de 1978, na Federação Espírita Brasileira, no Rio de Janeiro, pelo médium Hernani T. de Sant’Anna). In: Reformador, dez. 1978, p. 36(408).
⁶ ROCHESTER, J. W. Antigos desterrados… (Mensagem recebida na noite de 24 de agosto de 1978, na Federação Espírita Brasileira, no Rio de Janeiro, pelo médium Hernani T. de Sant’Anna). In: Reformador, dez. 1978, p. 36(408).
⁷ XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Entre irmãos de outras terras. Por Espíritos diversos. 9. ed. Brasília, DF: FEB, 2023. 1a pt., cap. 31 – Vinte
questões com Gabriel Delanne [André Luiz, resposta da pergunta 4].
⁸ FRANCO, Divaldo Pereira. Árdua as censão. Pelo Espírito Victor Hugo. 7. ed. Salvador, BA: LEAL, 2002. p. 173 a 180.
⁹ ALVES, Castro. Apelo à mocidade espírita-cristã. (Mensagem recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em reunião festiva e pública, de posse da Diretoria da Mocidade Espírita “Maria João de Deus”, na noite de 29 de setembro de 1948, em Belo Horizonte). In: Reformador, nov. 1948, p. 19(263).
¹⁰ COSTA, Ivon. A missão do Consolador. (Página psicografada pelo médium Divaldo Pereira Franco, em 1 de agosto de 1980, em Paris, França). In: Reformador, abr. 1981, p. 10(102) a 12(104).